terça-feira, 8 de junho de 2010

as rosas não falam
 

memento mori - encontrado nas ruínas de pompéia


em homenagem aos 200 anos de independência de nuestros hermanos argentinos e diante do chocante ataque que assistimos contra um navio de ajuda humanitária na palestina resolvi falar sobre temas profundos, duros, difíceis para leitores e mesmo para mim. 

voltei há um mês da terra do alfajor e foi a terceira viagem que fui pra lá em menos de um ano. é impossível não ficar fascinado e intrigado pela decadende/maravilhosa buenos aires, e seu povo idem. marcados por uma ditadura que matou mais de trinta mil pessoas ao que parece a argentina segue sem se conciliar consigo mesma, a política toma uma trajetória em que todos tentam destruir todos. segundo luis fanlo, sociólogo da universidade de buenos aires (uba) e grande estudioso de temas como argentinidade e brasilidade - que nem ele sabe se existem - o argentino de hoje é um povo amargo, individualista, pouco aberto a autocrítica ainda que extremamente crítico de tudo que lhe é estranho. o discurso violento se reflete em todos os lugares, desde as brigas na esfera política nacional até as frases cotidianas. a indisposição à visão do outro, o modo ritualístico de encarar cada gesto é difícil de compreender aos nossos olhos brasileiros, mas por vezes resulta em semelhanças como o desrespeito a acordos e leis. caminhos opostos que chegam ao mesmo ponto, como dizem os chineses: tudo que é extremo se torna o seu contrário.


sobre o interessante luis fanlo

nós aqui na terra dos papagaios por tradição somos um povo que evita rupturas, revoluções. não que o passado seja isento de sangue, mas comparativamente aos hermanos a coisa sempre foi mais, digamos, enxuta. o lado negativo? é difícil no nosso caso observar uma política partidária coerente e todos se vêem na obrigação de perdoar a todos por todos os erros. claro, somos um país em fase de transformação intensa e parece que para melhor. boa oportunidade de sair do comportamento infantil, da mania de esperar sempre a benevolência dos outros e de pensar que isso é praticamente uma regra do cosmos. segundo sérgio buarque de holanda o nosso informalismo e pouco apreço por símbolos muitas vezes parece aos olhos extrangeiros desrespeitoso. aqui o abandono das leis se dá não por uma exacerbação do indivíduo, mas pela transformação de toda a estrutura social em uma forma de intimidade, de relação pessoal. este brasileiro seria antes de tudo um homem "cordial" entendendo-se a expressão cordial menos por uma acepção cortesã e mais por sua etimologia relacionada à palavra latina cordis, ou seja coração. o coração ainda é o grande motor da ação no brasil e por isso somos enormemente apegados à familia mesmo depois da vida adulta, por isso é tão difícil definir relações profissionais, distinguir noções de público e privado, aqui há apenas o amigo ou desconhecido. por tudo isso a própria ideia da construção de uma democracia liberal tem qualquer coisa de exótico. por outro lado talvez seja esta abertura a tudo que vem de fora, ainda que com todos os seus problemas, que explique o atual desenvolvimento do país, mas não me arrisco a dizer para onde estamos caminhando. sem duvida nos falta um pouco da noção de individuo que os argentinos possuem para que olhemos um pouco para dentro, mas como chegar a um ponto de equilibrio sem perder o que possuímos de bom? eu é que não sei.

sobre nosso querido sérgio buarque de holanda, que não é apenas o pai de chico buarque

finalmente tenho que comentar o evento mais recente do conflito israel/palestina, que me deixou um tanto perplexo, ainda que eu saiba do que a humanidade é capaz. falo aqui do ataque de tropas de israel a um navio  em missão de ajuda humanitária que se encaminhava para a palestina. os povos, assim como os indivíduos têm seus códigos e sua história. não raro ocorre de povos deveras diferentes, deveras semelhantes, adentrarem em conflitos que em certo momento ninguém sabe como começaram. são como irmãos brigando por um brinquedo, em dado momento acabam se esquecendo do tal brinquedo, mas por vezes se tornam inimigos pelo resto de suas vidas e desconhecem a razão(!?) de tamanha antipatia. brasil e argentina se chocam culturalmente e  se atraem por essa mesma razão, discutem sobre futebol mas no fundo não é sobre futebol. nesse campo sobre o qual conheço muito pouco parece que cada um dos países reflete sua imagem, seu modus operandi. israel e palestina por sua vez têm um conflito político mascarado de conflito étnico cheio de dores, perdas e justificativas dos dois lados. cabe a nós como humanos vencermos nossa resistência pessoal, nossos hábitos incoscientes, e como indivíduos de pensamento liberto nos abrirmos ao esforço pela compreensão do outro, de seu contexto e sua posição. trata-se de relevar erros do passado por um bem comum com base na mais incrível capacidade humana, a individual capacidade de mudar de ideia observando o ambiente. os seres capazes das coisas mais abomináveis são os seres capazes de fazer arte, de criar noções de ética. para mim esta ética é o mais preciso oposto da violência.

fronteira eua / mexico


sobre o ataque ao comboio humanitário
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/06/472495.shtml

a mobilidade das pessoas através das fronteiras é um possível antídoto para superação de preconceitos e estabalecimento de novos laços. não é construindo muros e policiando céus e mares que israel conseguirá a paz. creio que essa é talvez a grande lição que os colonizadores portugueses nos deixaram pois foi incentivando tais laços, inclusive de parentesco, que eles conquistaram meio mundo no século XVI. talvez seja esse o segredo da enorme capacidade de absorção que a cultura brasileira possui com relação aos extrangeiros. as mesmas bases culturais que produzem o vício produzem a virtude, mantenhamos a segunda.

espero enfim que todos os desafortunados que lêem esse blog desconsiderem as citações e comparações por vezes absurdas, mas palavras são palavras nada mais. as coisas, os amores, as obras de arte, as cenas de filme enfim são o que são, e apesar da mania acadêmica de fazer discurso eu afirmo antes de mais nada: toda comparação é sobretudo uma grosseria, falemos menos e vivamos mais! 

deixo uma música que esses dias me tocou pra que se toquem também, é bom sentir o coração pulsar:

http://www.youtube.com/watch?v=dnjaevCMj_o




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